Dados
do governo federal apontam que a maioria dos estudantes prefere ir para
Portugal. Falta de domínio no inglês é principal motivo.
Dados obtidos nesta
semana pelo Terra apontam que de um total de 22.885 bolsistas que estudam no
exterior por meio do programa Ciência sem Fronteiras, 2.935 estão em Portugal,
o que corresponde a praticamente 13% do total. Representantes de universidades
brasileiras e o próprio governo consideram o número extremamente alto,
principalmente se levado em conta que o Brasil tem convênio de intercâmbio com
20 nações. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), autarquia do Ministério da Educação, o problema está na falta
de domínio de outros idiomas por parte dos estudantes brasileiros.
Para o professor José
Carlos Almeida Filho, pesquisador do Departamento de Línguas Estrangeiras da
Universidade de Brasília (UnB), o Ciência sem Fronteiras – lançado em dezembro de
2011 com o objetivo de oferecer mais de 100 mil bolsas de estudo em quatro anos
– expõe o "lado feio" da educação no Brasil. "Essa ida para o
exterior é muito saudável, mas mostrou o lado feio, as pessoas não estavam
percebendo o quanto é fraco o ensino de idiomas nas escolas do Brasil".
Segundo ele, falta uma política de longo prazo para garantir o aprendizado,
principalmente de inglês e espanhol. Investimento na formação de professores,
aumento da carga horária de aulas e diversificação do material didático são
alguns pontos apontados pelo pesquisador.
O vice-secretário de
Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Nicolas Maillard, concorda que o ensino de idiomas é o maior entrave para o
sucesso do programa federal. Na instituição gaúcha, a que mais envia bolsistas
para o exterior pelo Ciência sem Fronteiras, a procura por Portugal reflete a
formação dos jovens. Segundo Maillard, no último edital – com inscrições feitas
em janeiro – foram 174 candidatos para estudar no país europeu. Em segundo
lugar na procura, a Inglaterra teve menos da metade dos interessados – 85
inscritos.
"Sem dúvida essa
procura por Portugal é tão desproporcional por causa do idioma", afirma
Maillard, pesquisador francês que mora em Porto Alegre há 10 anos. Ele diz que
essa preferência prejudica o sucesso do programa, já que as universidades
portuguesas não estão preparadas para receber tantos brasileiros. Mas o maior
problema, observa, é que um dos princípios do Ciência sem Fronteiras é mandar
os estudantes para vários países, para fazer pesquisa em instituições de ponta.
"Tem algumas boas universidades em Portugal, mas também queremos mandar
nossos alunos para as melhores da Inglaterra, França, Espanha, Alemanha,
Estados Unidos", disse, ao citar ainda que o estudo de línguas também faz
parte dos intercâmbios, o que fica limitado se a grande maioria vai para um
país onde se fala o mesmo idioma do Brasil.
Para participar de
intercâmbios em países que falam inglês, espanhol, francês, entre outros
idiomas, o estudante precisa demonstrar domínio da língua, por meio de testes
de proficiência. No novo edital do Ciência sem Fronteiras, o governo decidiu
baixar o nível de conhecimento necessário para passar no teste já que a maioria
dos candidatos – cerca de 9 mil – havia demonstrado preferência por Portugal. O
Toefl, por exemplo, um dos exames aplicados para se avaliar o nível dos alunos,
teve a exigência de 72 pontos diminuída para 42. Além disso, ficou decidido que
os estudantes vão receber um curso presencial quando chegarem ao país para
melhorar o conhecimento da língua.
Para a coordenadora
do programa na Universidade de Brasília (UnB), Marta Lins, essas medidas são
paliativas e não resolvem o problema da falta de domínio de outros idiomas.
"Precisamos pensar na frente para que não haja mais essa saída de baixar a
nota para que os estudantes consigam ir para outros países". Segundo Marta
Lins, na UnB cerca de 50% dos estudantes que participam do Ciência sem
Fronteiras foram para Portugal. "É um número absurdo", comenta.
Segundo o professor
da UFRGS, do ponto de vista acadêmio é muito preocupante que os estudantes
viagem para outros países sem domínio do idioma. "É complicado para o
aluno mudar de país, é muita diferença de cultura, e ainda por cima ter apenas
um semestre aprender o idioma", justifica.
Governo tenta
solucionar carências com cursos online
Para tentar minimizar
os problemas da falta de proficiência em idiomas estrangeiros, o governo
federal lançou, neste ano, um curso online de inglês para que os candidatos a
bolsas do Ciência sem Fronteiras sintam-se em condições de estudar em outros
países. Foram disponibilizadas mais de 2 milhões de senhas para alunos de
instituições públicas e privadas que tenham feito ao menos 600 pontos no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo a Capes, em um mês, cerca de 90 mil
estudantes já começaram o curso.
A ideia do Ministério
da Educação (MEC) é ampliar, posteriormente, a oferta de cursos online de
inglês para alunos do ensino médio e ensino fundamental. A aplicação dos testes
de proficiência, também apontados por especialistas como um problema já que a
demanda é maior do que a oferta, deve ser ampliada. A empresa Mastertes ficará
responsável por fazer mais de 500 mil exames Toefl para verificar o nível de
inglês dos alunos das universidades brasileiras.
De acordo com José
Carlos Almeida Filho, a iniciativa do governo brasileiro de propor cursos
online é positiva, mas pontual. "É uma solução paliativa, que não resolve
o problema do ensino de idiomas nas escolas. Precisa-se pensar a longo prazo,
no que queremos para os próximos 20 anos, e investir na escola, na base".
Ampliar o número de aulas seria um bom começo, sinaliza, já que a carga horária
do ensino médio hoje comporta apenas duas aulas de inglês por semana.
"Isso não é nada, principalmente com professores acostumados a ensinar em
português apenas alguns temas sobre a língua estrangeira", completa o
pesquisador da UnB.
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