Traduzir não
é fácil. Quem diz isso não sou eu, mas um dos mais
experientes tradutores brasileiros: Paulo Henriques de Britto (tradutor de
Dickens, Ian McEwan, Henry James, Philip Roth, Swift, Faulkner, etc.).
Portanto, a fim de desfazer a ideia equivocada de que basta saber uma segunda
língua e ter algum tempo livre para se tornar um tradutor, recomendo,
inicialmente, a leitura de três livros relativos ao ofício:
1.
Paulo Henriques Britto, A Tradução
Literária. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012. (obra da qual
tirei a citação que abre este texto)
2.
Paulo Rónai, Escola de Tradutores. Rio
de Janeiro, José Olympio, 2012. (edições anteriores da Nova Fronteira)
3.
Paulo Rónai, A Tradução Vivida. Rio de
Janeiro, José Olympio, 2012. (edições anteriores da Nova Fronteira)
Esses três
livros são de caráter introdutório e têm como principal virtude o fato de terem
sido escritos por tradutores de verdade, não meros teóricos. Praticamente tudo
o que dizem está enraizado em sua experiência e em sua erudição. Os livros do
Rónai impressionam pela leveza, pela fluidez da linguagem, pela clareza da
exposição, sobretudo quando se leva em conta o fato de o autor ser um húngaro
que aprendeu português já depois de adulto. São verdadeiros clássicos dos
estudos de tradução em língua portuguesa, pioneiros neste campo de estudos no
Brasil. O livro do Paulo Henriques de Britto acabou de ser lançado, o que
significa já ser uma obra da maturidade, em que se somam suas experiências de
escritor, poeta, tradutor e professor de teoria da tradução. Esses livros já
são suficientes para desfazer a ideia de que basta conhecer outra língua para
se pôr a traduzir.
Além destes,
para que cada etapa do processo tradutório seja feito de modo consciente, é
igualmente recomendável a leitura de:
4. Brenno Silveira, A Arte de Traduzir.
São Paulo, Unesp/Melhoramentos, 2004.
Este livro
pode ser considerado um verdadeiro manual preventivo de problemas. Phrasal
verbs, falsos cognatos, expressões idiomáticas, tudo isso é abordado de
modo a chamar a atenção para o que requer atenção!
Se, por
acaso, você tomar gosto pela discussão mais teórica, vale a pena ler:
5. Umberto Eco, Quase a Mesma Coisa.
Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2007.
Umberto Eco
é semioticista (que não deixa de ser uma espécie de linguista), tradutor e
autor traduzido. E todas essas perspectivas se mostram nessa obra.
***
Para além de
conhecer a língua estrangeira, é imprescindível um domínio da língua
portuguesa. E domínio implica não só a capacidade de utilizar a língua com
eficiência, mas também a capacidade de analisar suas estruturas fonéticas,
morfológicas, sintáticas e semânticas; compreender seus mecanismos de
funcionamento, seu potencial expressivo, etc. Isso, (in)felizmente, requer
trabalho e requer estudo. Cito outros três livros, muito úteis para compreender
a que me refiro:
6. Othon
Moacyr Garcia, Comunicação em Prosa Moderna. São Paulo, FGV, 2010.
(várias edições anteriores)
7. Gladstone
Chaves de Melo, Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro, Livraria Editora Padrão, 1976. (Esgotado, encontrável apenas em sebos.
Mesmo se for caro, vale o quanto custa!)
8. Adriano da Gama Kury, Novas Lições de
Análise Sintática. São Paulo, Ática, 2003.
Os três são
livros de estudo que requerem certa perseverança e prática. O do Kury e o do
Othon Garcia têm exercícios de fixação. Não desdenhem do livro de análise
sintática; para quem almeja ser tradutor saber sintaxe é ter em mãos uma
ferramenta de trabalho.
Quanto às
obras de referência, dou toda ênfase a:
9. Agenor Soares dos Santos, Guia Prático
da Tradução Inglesa. São Paulo, Elsevier, 2007.
Apesar do
título, trata-se de um dicionário dedicado a falsos cognatos e outras
armadilhas da língua inglesa. Ao final, dou uma lista de obras complementares
que podem ser igualmente úteis.
***
Antonio
Fernando Borges escreveu um livro chamado Não Perca a Prosa, que
contém lições preciosas. Entre outras, num de seus exercícios ele nos manda
escolher determinados autores e imitá-los. Ele sugere, por exemplo, que se leia
uma série de crônicas de Nélson Rodrigues e depois se escreva uma crônica
imitando o Nélson. Ler e imitar, ler e imitar. Vários autores. Ao final, este
exercício acabará por nos tornar leitores mais atentos, de modo a perceber
certas constâncias de estilo nos autores que lemos. Menciono tudo isso porque:
Para praticar, podemos imitar
o estilo de um autor que escreve na nossa própria língua como
exercício escolar;
Ao traduzir, devemos imitar
o estilo de um autor que escreve numa língua diferente da
nossa como dever de ofício.
É claro,
nessa fase da imitação, é bom que se escolham livros de diferentes gêneros e,
principalmente, que se leiam livros de autores brasileiros e obras traduzidas.
Um exercício curiosíssimo, por exemplo, é ler Alice no País das
Maravilhas, no original e nas diferentes edições brasileiras (Cosac,
Zahar), para ver como certos problemas foram resolvidos. Minha maior
recomendação é que, durante algum tempo, haja dedicação aos aspectos formais do
texto (escolha lexical, construções sintáticas...), até que se saiba bem, por
exemplo, quando cabe uma subordinada concessiva e quando cabe uma adversativa
(o Othon exemplifica bem a diferença). Ao lidar com textos, descobrimos a
utilidade daquelas aulas de análise sintática que às vezes nos entediavam.
Identificar a oração principal e as subordinadas passa a ser tão importante
quanto apreender o conteúdo do que está sendo dito. Mais do que isso: em muitos
casos, é condição para apreender o que está sendo dito. E, com isso, chego ao
último ponto que julgo recomendável: estude latim. Uma vez que, em latim, as
funções sintáticas são marcadas morfologicamente e a ordem das palavras é mais
ou menos livre, é imprescindível que se faça análise sintática de cada
sentença, sem o que simplesmente não se pode compreender o que está sendo dito.
Ora, este é o treinamento perfeito para a aquisição do hábito de analisar
sintaticamente os textos no mesmo ato em que se lê. Fácil não é; mas é possível.
Bibliografia sugerida
Obras de estudo
Antonio
Albalat, A Arte de Escrever em 20 lições. (Só se encontra em
sebos!)
Idem, A
Formação do Estilo pela Assimilação dos Autores. (Idem – são livros velhos
e preciosos. Affonso Romano de Santana disse que foram estes livros do Albalat
que fizeram dele um escritor!)
Francine
Prose, Para Ler como um Escritor. Trad. Maria Luiza Borges. Rio de
Janeiro, Zahar, 2008.
Rodrigues
Lapa, Estilística da Língua Portuguesa. São Paulo, Martins Editora,
1998.
Obras de referência
Domingos
Paschoal Cegalla, Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro, Lexikon, 2009.
Antonio
Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, Lexikon, 2010.
Francisco
Ferreira dos Santos Azevedo, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa
– Ideias Afins. Rio de Janeiro, Lexikon, 2010.
Fancisco
Fernandes, Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa.
Edição revista e ampliada por Celso Pedro Luft. São Paulo, Globo, 2002.
Antonio
Carlos do Amaral Azevedo, Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos
Históricos. Rio de Janeiro, Lexikon, 2012.
Celso Pedro
Luft, Dicionário Prático de Regência Nominal. São Paulo, Ática,
2009.
Celso Pedro
Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal. São Paulo, Ática,
2009.
Denis
Huisman, Dicionário dos Filósofos. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
Nicola
Abbagnano, Dicionário de Filosofia. São Paulo, WWF Martins
Fontes, 2012.
J. Ferrater
Mora, Dicionário de Filosofia, 4 vols. São Paulo, Edições
Loyola, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário