Poucas palavras:

Blog criado por Bruno Coriolano de Almeida Costa, professor de Língua Inglesa desde 2002. Esse espaço surgiu em 2007 com o objetivo de unir alguns estudiosos e professores desse idioma. Abordamos, de forma rápida e simples, vários aspectos da Língua Inglesa e suas culturas. Agradeço a sua visita.

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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Duas línguas pensam melhor do que uma.


Estudos mostram que bilíngues têm vantagens no aprendizado, estão mais protegidos contra a senilidade e podem até raciocinar de forma diferente em cada idioma.
Quando era um bebê, minha mãe fez algo que alterou o modo como meu cérebro se desenvolveu. Algo que melhorou minha capacidade de aprendizagem, de resolver enigmas e de executar múltiplas tarefas ao mesmo tempo. Um dia, esse ato talvez até proteja meu cérebro da senilidade. O que foi esse truque? Ela começou a falar comigo em francês. 



Novas pesquisas sugerem que falar duas línguas pode ter efeito profundo no modo como pensamos. O aprimoramento cognitivo é apenas o primeiro passo. Memórias, valores, até a personalidade podem mudar, dependendo da língua que estou falando. É quase como se o cérebro bilíngue abrigasse duas mentes independentes. 




A opinião sobre o bilinguismo não foi sempre tão positiva. Desde o século 19 pedagogos alertavam que a prática confundiria as crianças e as impediria de aprender corretamente uma das línguas ou a outra. Na pior das hipóteses, essa educação poderia prejudicar o desenvolvimento e reduziria o QI. Hoje, esses medos parecem não ter fundamento. Sim, indivíduos bilíngues tendem a ter vocabulários ligeiramente menores em relação a monoglotas nos idiomas que falam e às vezes demoram um pouco mais para encontrar a palavra certa para cada objeto. Mas um estudo da década de 1960 feito no Canadá revelou que a habilidade de falar dois idiomas não prejudica o desenvolvimento em geral, pelo contrário. Os psicólogos Elizabeth Peal e Wallace Lambert, da Universidade McGill, descobriram que os indivíduos bilíngues, na verdade, superam os monoglotas em 15 testes verbais e não-verbais.



Infelizmente, esses resultados foram ignorados por quase todos os pesquisadores da época. Apenas nos últimos anos o bilinguismo recebeu a atenção que merece. O interesse renovado acompanhou inovações tecnológicas, como a espectroscopia de infravermelho próximo funcional, uma forma de diagnóstico por imagem que funciona com um monitor portátil observando os cérebros de bebês sentados nos colos dos pais. Pela primeira vez, os pesquisadores puderam analisar os cérebros de recém-nascidos em seus primeiros encontros com a linguagem. 




Usando essa técnica, a neurocientista norte-americana Laura Ann Petitto, da Gallaudet University, descobriu uma diferença fundamental entre bebês que crescem ouvindo uma ou duas línguas. De acordo com a teoria mais difundida, os bebês nascem “cidadãos do mundo”, capazes de diferenciar sons de qualquer idioma humano. Quando chegam a um ano, acredita-se que eles tenham perdido essa capacidade e se concentram exclusivamente nos sons de sua língua-mãe. Isso parece verdade para os monoglotas, mas o estudo de Petitto, publicado em maio deste ano, descobriu que as crianças bilíngues ainda mostram um aumento de atividade neurológica quando ouvem línguas totalmente desconhecidas ao final de seu primeiro ano. Petitto acha que a experiência bilíngue impede que a criança perca a capacidade de entender sons de outros cantos. O fato ajuda as crianças bilíngues a aprenderem outros idiomas pelo resto da vida.


Só o que interessa 



Outra vantagem do cérebro de bilíngues foi descoberta em 2003 por Ellen Bialystok, psicóloga da Universidade York de Toronto. A pesquisadora pediu a um grupo de crianças que identificasse quais frases de uma sequência eram gramaticalmente corretas. Ambos os tipos, monoglotas e bilíngues, enxergavam o erro em frases como “maçãs cresçam em árvores”, mas as diferenças apareciam quando analisavam frases sem sentido, como “maçãs crescem em narizes”. Os monoglotas, desconcertados pela ideia ridícula, não conseguiam reconhecer que a sentença não continha erros gramaticais, enquanto os bilíngues davam a resposta certa.



Com base nesse e em outros estudos, Bialystok defende que os cérebros de bilíngues passam por melhorias no chamado “sistema executivo” do cérebro, um conjunto de habilidades mentais que dá capacidade de bloquear informações irrelevantes. Essa vantagem seria a responsável por eles conseguirem se concentrar na gramática e ignorar o sentido das palavras. A característica também os ajuda a passar de uma tarefa para outra sem ficar confuso.



O sistema executivo é fundamental para praticamente tudo que fazemos, da leitura à matemática e até dirigir carros. Logo, melhorias nesse aspecto resultam em maior flexibilidade mental. As virtudes do bilinguismo podem até alcançar nossas habilidades sociais. Paula Rubio-Fernández e Sam Glucksberg, ambos psicólogos da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, descobriram que indivíduos bilíngues são mais capazes de se imaginar no lugar dos outros, pois têm mais facilidade de bloquear informações que já conhecem e se concentrar no ponto de vista alheio.



Ginástica mental



Mas por que falar dois idiomas torna o cérebro bilíngue tão focado? Para descobrir isso, a psicóloga Viorica Marian, da Universidade Northwestern, nos EUA, usou monitores de movimento dos olhos para registrar o foco de voluntários enquanto realizavam uma série de atividades. Em uma delas, a pesquisadora enfileirou alguns objetosem frente a indivíduos bilíngues em russo e inglês e pediu, por exemplo, que “pegassem a caneta”. Os nomes de parte dos objetos escolhidos soam parecidos nas duas línguas, mas têm sentidos diferentes. A palavra russa para “selo” é parecida com a palavra em inglês para “caneta”. Apesar dos voluntários sempre entenderem a pergunta, o monitor mostrava que eles davam uma olhada rápida no objeto errado (o selo, neste caso) antes de escolher o correto (a caneta).



Esse gesto quase imperceptível revela um detalhe importante do cérebro bilíngue: nos bastidores, as duas línguas estão sempre competindo pela nossa atenção. O resultado é que quando os bilíngues falam, escrevem ou escutam o rádio, o cérebro está ocupado, tentando escolher a palavra certa e inibindo o mesmo termo da outra língua. É um teste difícil de controle executivo, o mesmo tipo de exercício que encontramos em programas de “treinamento cerebral” vendidos por aí.



Não demorou para os cientistas imaginarem que essa ginástica também poderia ajudar o cérebro a resistir aos efeitos da velhice. Afinal, há evidências que outras formas de exercício cerebral criam uma reserva cognitiva que protege a mente da deterioração causada pela idade. Isso foi mostrado quando Bialystok e seus colegas coletaram dados de 184 pessoas diagnosticadas com demência, metade das quais eram bilíngues. Os resultados, publicados em 2007, foram surpreendentes: os sintomas surgiram quatro anos mais tarde entre os bilíngues em relação a seus colegas monoglotas. Em 2010, eles repetiram o estudo em outros 200 indivíduos com Alzheimer. Os sintomas começaram a se manifestar cinco anos mais tarde entre aqueles pacientes que eram bilíngues. 




Outra língua, outra atitude 




Além de fortalecer os cérebros, falar um segundo idioma pode ter um impacto profundo sobre o comportamento. Susan Ervin-Tripp, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, estudou a questão na década de 1960, quando pediu a um grupo de falantes de japonês e inglês que completassem um conjunto de frases em duas sessões separadas: primeiro em um idioma, depois no outro. Ela descobriu que os voluntários tendiam a usar finais bastante diferentes em uma língua e outra. Por exemplo, dada a frase “amigos de verdade devem...”, os participantes completavam com “ajudar uns aos outros” em japonês, mas com “ser honestos” em inglês. Os achados levaram Ervin-Tripp a sugerir que os bilíngues utilizam dois canais mentais, um para cada idioma, como duas mentes diferentes.



Diversos estudos recentes parecem apoiar essa teoria das duas mentes (veja mais deles na página ao lado). Uma explicação é que cada idioma traz à mente os valores da cultura que vivenciamos enquanto o aprendíamos, explica Nairán Ramírez-Esparza, psicóloga da Universidade de Washington. Em um estudo recente, Nairán pediu que mexicanos bilíngues avaliassem a própria personalidade em questionários em inglês e espanhol. É sabido que a modéstia tem um valor cultural mais alto no México em comparação com os Estados Unidos, onde a assertividade é sinônimo de respeito. O idioma das perguntas parecia ativar essas diferenças. Quando questionados em espanhol, os voluntários eram mais humildes do que quando a pesquisa era apresentada em inglês.



Apesar dos avanços recentes, em se tratando do impacto do bilinguismo, os pesquisadores podem estar vendo apenas a ponta do iceberg. Muitas perguntas ainda estão sem resposta. Uma das principais é se um indivíduo que foi criado monoglota poderia obter os mesmos benefícios ao aprender outra língua. Em caso positivo, é difícil pensar em motivo melhor para o ensino de língua estrangeira.




Fala-se muito sobre as dificuldades enfrentadas por quem tenta aprender um novo idioma na idade adulta, mas as evidências sugerem que o esforço vale a pena. “É possível aprender outro idioma com qualquer idade e falá-lo fluentemente. Nós conseguimos ver os benefícios para o seu sistema cognitivo”, diz Marian. Bialystok concorda que os aprendizes adultos conquistam uma vantagem, ainda que o aumento de desempenho tenda a ser mais fraco do que entre os bilíngues. “Aprenda um novo idioma com qualquer idade pelo estímulo mental”, aconselha. “Essa é a fonte da reserva cognitiva.” Por ora, sou grata por já ter superado esse desafio. Minha mãe nunca poderia ter adivinhado quanto suas palavras mudariam meu cérebro e o modo como vejo o mundo, mas tenho certeza de que valeu o esforço. E por tudo isso, não posso deixar de dizer: Merci!





Dupla personalidade
 
Pesquisas mostram como o raciocínio dos bilíngues pode mudar de acordo com o idioma 


Imersão cultural 

Pesquisadores da Universidade Northwestern mostraram que bilíngues tendem a ter lembranças diferentes em cada língua. Ao receberem um pedido para citar “uma estátua de alguém olhando para o horizonte com um braço erguido”, voluntários fluentes em mandarim e inglês lembravam mais da Estátua da Liberdade quando a pergunta era feita em inglês e da estátua de Mao Zedong em mandarim.
 

Mala memória 

Lera Boroditsky, professora da Universidade de Stanford, na Califórnia, descobriu numa pesquisa de 2010 que quando bilíngues falam espanhol, desenvolvem mais dificuldade em lembrar quem causou um acidente. Sua teoria é que isso acontece provavelmente porque eles tendem a usar construções impessoais como Se rompió el florero (“o vaso se quebrou”), que não explicitam o responsável pelo evento.
 

Sangue latino 

Quando o Baruch College de Nova York pediu a voluntários bilíngues em inglês e espanhol que assistissem a anúncios televisivos com mulheres, a tendência após ver as propagandas em espanhol era classificá-las como independentes e extrovertidas; em inglês, os mesmos anúncios eram descritos como desesperados e dependentes.


Falando grego 

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Chipre revelou que indivíduos bilíngues em grego e inglês informavam reações emocionais distintas à mesma história, dependendo do idioma utilizado: eles ficavam “indiferentes” à personagem na versão em inglês do teste, por exemplo, mas “preocupados” com seu progresso quando escutavam a versão grega.
 

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