01.Poderia
fazer um breve resumo da sua vida acadêmica-profissional? Como você avaliaria o
ensino superior na área de Letras no nosso país? Esse ensino é satisfatório ou
deveria passar por adequações?
Comecei
a trabalhar como professora de língua inglesa num curso de idiomas, alguns anos
antes da minha graduação. Ao me graduar, ingressei no magistério público, e
desde então mantive vínculo tanto com o magistério público, quanto com o
privado.
Dois
anos após minha graduação, senti que precisava entender melhor a área de ensino
e aprendizagem de língua inglesa e fiz uma especialização em Linguística
Aplicada voltada para essa área. No ano seguinte entrei no programa de mestrado
em Línguística Aplicada, onde foquei na Prática Reflexiva do professor de língua
inglesa da escola pública e verifiquei que em muitos casos, havia uma
disparidade entre as crenças dos professores sobre ensino e aprendizagem e a
prática dos mesmos. Nesse ínterim, prestei o exame de CAE onde obtive
aprovação.
Após o
mestrado ingressei no magistério superior onde lecionei em módulos de
pós-graduação lato sensu em língua inglesa. E como entendo que a capacitação do
professor precisa ser contínua, fiz o CELTA, DELTA e um curso para “Teacher
trainers”. Além disso, sempre participo de conferências como Braz-Tesol,
Aplierj, etc.
Depois
de algum tempo longe da área acadêmica, senti necessidade de retornar para
fazer o Doutorado em Estudos de Linguagem, o qual ainda estou cursando. Por
conta do doutorado, hoje em dia, trabalho na rede pública e numa universidade
particular.
As
modificações no ensino superior começaram há alguns anos atrás e o MEC tem
feito várias exigências para que as universidades mantenham seus cursos
funcionando. Por exemplo, é exigida uma maior qualificação por parte do professor
de ensino superior; o mesmo é requisitado a trabalhar a questão de “Direitos
Humanos” e de “Educação ambiental”de forma interdisciplinar; há a
obrigatoriedade de cumprir 100 dias letivos por semestre; anualmente uma
comissão do MEC visita as universidades para fazer uma espécie de auditoria
pedagógica. Contudo, na área de Letras, quando a graduação contemplar uma
língua estrangeira, deveria haver um nível mínimo de conhecimento da língua
estrangeira como pré-requisito, uma vez que a grade curricular enfoca o
aprofundamento do conhecimento linguístico, assim como diferentes competências
a serem desenvolvidas (pragmática, por exemplo). O MEC deveria informar que há,
supostamente, um conhecimento prévio mínimo esperado; para que o aluno não se
inscreva no curso de graduação acreditando que aprenderá a língua estrangeira
desde o início, como ocorre nos cursos livres.
As
aulas de apoio com monitores (isto é, alunos de semestres mais avançados e
aprovados na disciplina que dão monitoria), oferecidas por algumas faculdades,
ajudam, mas não conseguem sanar as dificuldades daqueles alunos cujo
conhecimento da língua estrangeira é ínfimo.
A
exigência da monografia para a área de Letras representa, a meu ver, um ganho
na formação do aluno, pois requer um estudo mais aprofundado de uma área
estudada ao longo dos anos da graduação e um olhar questionador;
características importantes para o profissional.
02.Como
aprendeu a falar inglês? Teve ajuda de algum recurso? Qual a importância de
saber falar inglês no mundo globalizado como esse em que vivemos? Além de
inglês, você fala outros idiomas? Usou técnicas similares em todos ou cada um
foi estudado (aprendido) de forma diferente?
Na adolescência ganhei uma bolsa de estudos num curso
de inglês, onde estudei por uns 5 anos. Depois, quando era estagiária de ensino
médio técnico e já podia arcar com algumas despesas, fiz conversação num curso
renomado. Subsequentemente, me inscrevi no curso de “accent reduction” a fim de
diminuir erros de pronúncia e melhorar minha produção oral. Nesse ínterim já
cursava a faculdade de letras; a qual tranquei no meio do curso para trabalhar
como babá no exterior. Quando retornei, terminei a faculdade e procurei sempre
me capacitar continuamente para estar atualizada tanto com a parte metodológica
quanto com a parte linguística.
Sim, tive ajuda de recursos. Inicialmente, os recursos
pedagógicos usados em sala eram o livro, flashcards, projetor de slides, fita
K-7. Depois, além do livro e flashcards, havia realia, cusenaire rods, retroprojetor,
e fita VHS. Mais tarde, com o avanço da tecnologia, meus professores passaram a usar CDs, DVDs e
computadores.
No mundo globalizado o inglês tem o status de língua
franca. É por intermedio dele que: a) inúmeras pessoas conseguem fechar
negociações; b) pessoas de diferentes partes do mundo, cuja língua materna
varia imensamente, conseguem se comunicar; c) há um acesso maior à publicações
recentes sobre avanços tecnológicos, médicos, metodológicos, etc.; d) o
currículo de um profissional se diferencia.
Ousaria
dizer que saber inglês dá um “poder” maior ao indivíduo. Se você fala uma
língua fluentemente e conhece o “jogo de palavras” utilizado por seus falantes,
você a) não é facilmente enganado, b) sabe como utilizar a língua em diferentes
contextos, c) se adapta e é aceito em diferentes comunidades discursivas que
falam aquela língua, entre outras características. Logo, todo falante tem em
sua língua materna um instrumento de poder. Ao falar uma língua estrangeira, esse “poder”
é inegavelmente ampliado, haja visto que suas possibilidades de interações e
contextos também são expandidas.
Não. Infelizmente, só falo duas línguas: o Português e
o Inglês.
Foto tirada no 9th ABCI onde apresentei trabalho.
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03.Você
tem preferencia por algum método ou abordagem? Acredita que algum deles seja
mais eficiente e algum menos eficiente?
Cada aluno tem seu estilo de aprendizagem que poderá
ser mais beneficiado por um método ou uma abordagem do que outros. Contudo,
pessoalmente, prefiro uma abordagem holística onde há uma forte influência da
abordagem comunicativa entremeada com algumas atividades de drills e de
“suggestiopedia”, quando necessário.
My students in Rio das Pedras. |
04. Quando decidiu que queria ser professora de língua inglesa? Já pensou, em algum momento, em desistir da carreira de professor e fazer outra coisa completamente diferente?
Diria que as coisas, simplesmente, foram acontecendo.
Sempre gostei de inglês, mas ingressei na faculdade de Ciências Biológicas porque
queria ser pesquisadora. Mais tarde, senti que faltava algo e ingressei também
na faculdade de Letras. Quando me
graduei na duas, decidi que queria trabalhar nas duas áreas, mas o governo fez
um corte nas bolsas de pesquisa e acabei me dedicando integralmente ao
ensino-aprendizagem de língua inglesa.
Se já
pensei em desistir?
Várias
vezes e por diversas razões ao longo desses mais de 15 anos de profissão. Mas
como acredito piamente na educação como ação transformadora, continuo no
magistério.
05.Como
você avalia o ensino de línguas estrangeiras no Brasil?
No setor privado, há vários cursos que investem no
aprimoramento do professor visando uma melhora na qualidade de ensino dos seus
alunos. Mas, infelizmente, há aqueles que querem obter lucros sem a mínima
preocupação com o aluno ou com o processo ensino-aprendizagem.
No setor público, temo que ainda há muito a ser feito
para que possamos oferecer um ensino de língua estrangeira de qualidade para os
discentes.
A cidade do Rio de Janeiro já deu os primeiros passos
na busca pela qualidade do ensino. Devido aos eventos esportivos que ocorrerão
no Rio e no Brasil, a Prefeitura do Rio de Janeiro vem implementando desde
Setembro de 2010 o Programa Rio Criança Global, onde os alunos têm aula de
inglês desde o 1º ano do ensino fundamental. Há um grande investimento em
material didático, capacitação semestral do professor de inglês, aquisição de netbooks
para serem usados em sala, instalação de projetores nas escolas, e, implementação
e desenvolvimento da plataforma digital (Educopédia) onde os alunos podem fazer
atividades para consolidar e revisar assuntos vistos em sala ou, ainda,
aprender coisas novas. O Programa é inovador e pode render ótimos resultados futuros
se for mantido e alguns ajustes feitos. O programa precisa vencer alguns
obstáculos. O número de alunos em sala ultrapassa, e muito, o número ideal de
alunos para se trabalhar as 4 habilidades e monitorar o progresso dos alunos de
forma individualizada; o espaço físico e as carteiras escolares nem sempre
contribuem para rearranjá-las espacialmente de forma ideal; há escolas onde não
há infraestrutura para a utilização dos equipamentos de datashow e nem wifi
para acessarmos a internet; há escolas onde o equipamento disponível é somente
para o professor e consequentemente, estamos simplesmente trocando o quadro
pela projeção. Mas, uma aprendizagem interativa e significativa requer muito
mais que isso. Requer quebra de paradigmas onde alunos não tenham papel
passivo, e sim ativo. Isso representa mudanças em todas as esferas: a) para a
direção da escola porque a “disciplina escolar” terá que ser repensada, assim
como a organização do espaço escolar; b) para os alunos porque terão que: se
engajar, verdadeiramente, no processo de ensino-aprendizagem, interagir uns com
os outros para haver uma aprendizagem significativa e assumir plenamente suas
responsabilidades no processo de aprendizagem; c) para o professor, pois
precisará entender que essas mudanças interferem na sua prática pedagógica e
que muitas vezes não terá prontamente respostas às perguntas dos alunos; d)
para os responsáveis porque precisarão reforçar em casa a necessidade de estudo
e comprometimento, além da necessidade de estimularem seus filhos durante o
processo; e) para os governantes porque precisam entender que antes de qualquer
envio de equipamento, precisa: a) haver um estudo sobre a infraestrutura de
cada unidade escolar e preparar a mesma para receber os equipamentos; b)
padronizar todos os equipamentos a serem utilizados, até mesmo os adaptadores,
plugs para conectarem os projetores aos computadores e som; c) preparar um
manual de uso dos equipamentos com soluções para possíveis problemas; d) ter
uma equipe técnica para prestar, rapidamente, suporte do equipamento, se
necessário; e) entender que a tecnologia é importante para o ensino, mas não é
o suficiente para garantir qualidade de ensino, há outras variáveis cruciais
para a qualidade do ensino.
Em suma, o ensino de línguas estrangeiras no Brasil
oscila entre excelente e péssimo. Tudo depende do contexto analisado individualmente.
Encontramos instituições e profissionais competentes e comprometidos cuja
atuação na área da educação garante um ensino de qualidade. Enquanto outros
deixam a desejar.
Vale ressaltar que, tanto os problemas quanto os
paradigmas a serem quebrados não são exclusivos do ensino de língua
estrangeira, mas do ensino como um todo.
06.Qual a importância do uso dos recursos tecnológicos para o ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira?
Eles são ferramentas pedagógicas importantes, mas não são a solução para todos os problemas. Não há como não utilizarmos as novas tecnologias em sala, já que as mesmas fazem parte do nosso dia-a-dia e a educação, supostamente, tem que estar em sincronia com a realidade dos discentes. Todavia, como utilizamos essa tecnologia e a contribuição que ela traz para o processo de ensino-aprendizagem é que faz a diferença.
Foto tirada na última aula com esse grupo de alunos em abril de 2013.
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07.Já viveu alguma situação inusitada durante todos esses anos de ensino?
Diria
que a mais inusitada ocorreu no ano passado, quando uma aluna que havia morado
na Nova Zelândia por anos e falava inglês fluentemente se juntou à minha aula
de conversação numa empresa. Fiquei abismada quado soube da participação dessa
aluna na aula. Essa mesma aluna se mostrou muito aplicada e ávida a aprender
cada dia mais. E frequentemente dizia: “Aposto que essa nem a minha mãe sabe!”
Essa
aluna me ensinou muito sobre o ser humano, respeito pelo ser humano e pelo
profissional, sede de saber, entusiasmo, diferenças culturais e muitas outras
coisas ao longo das nossas aulas.
Eles variarão de acordo com o contexto. Os problemas poderão vir em forma de baixos salários, falta de incentivo à profissão, falta de infraesrutura, desinteresse por parte dos alunos, desrespeito ao professor, condições inadequadas de trabalho, necessidade de trabalhar em diversos locais com uma carga de trabalho absurda, e políticas educacionais equivocadas.
09.Obrigado pela atenção e por ter compartilhado um pouco da sua vivencia no ensino de idiomas com vários profissionais da área (muitos professores me escrevem dizendo que leem todas as entrevistas). Você deixaria alguma mensagem para professores e estudantes de língua inglesa?
Não desanimem ao se depararem com obstáculos. Os
percalços sempre existirão, mas quando analisamos as dificuldades pelo viés de
um observador imparcial, percebemos que, várias vezes, a mudança de perspectiva
nos ajuda a enxergar soluções e entender melhor nossa realidade.
A aprendizagem de um idioma requer prática,
envolvimento, comprometimento e tempo. Tempo para nos acostumarmos com os
fonemas, as “collocations”, as estruturas gramaticais, as sutilezas da língua e
a cultura do novo idioma. Tempo para tentarmos, errarmos e acertarmos.
Tempo para consolidarmos nossa aprendizagem.
E, tempo para refiná-la.
E, por último, acreditem na educação porque é
transformadora e preciosa.
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